CHAMADA PARA CONTRIBUIÇÕES E ARGUMENTO PARA AS SIMULTÂNEAS CLÍNICAS

Yves Vanderveken


Membro da AMP, escolha o seu caso do momento. Aquele que mais te interessa e ressoa com o tema do congresso. Mantendo-se fiel ao caso, mostre de que maneira ele é louco (para além da estrutura), de que modo ele delira e se defende do real, mas também como este real o alcança. Indique a orientação da cura ou do tratamento. Renovemos a clínica, sem nenhuma nostalgia.

A contribuição proposta deverá ser composta de 7000 signos, caracteres, incluindo espaços.

Redigido na fonte Times New Roman, 12, espaçamento 1,15 e enviado em versão Word. Em uma das línguas da AMP: inglês, espanhol, francês, italiano, português.

Data limite de envio: 30 de setembro de 2023.

Mencione no cabeçalho do texto, antes do título, o sobrenome, o nome do autor, o endereço de e-mail, seu número de celular e a Escola da qual ele é membro.

No assunto do e-mail deverá ser indicado: AMP2024 – Simultâneas clínicas SOBRENOME et Nome – a língua do texto

Os textos devem ser enviados ao endereço AMPsimultanees2024@gmail.com


Freud situa sonhos, delírios, fobias, obsessões, alucinações… numa continuidade – enquanto fenômenos psíquicos[1].

Se podemos evocar a respeito deles a falta de realidade, classificá-los no campo da fantasmagoria, remetê-los ao nível do imaginário, e portanto querermos nos opor e orientar a terapêutica para o retorno à razão, Freud, ele, os leva a sério: “não nos deixemos induzir ao erro de transpor para formações psíquicas reprimidas os valores da realidade, de subestimar, por exemplo, o papel das fantasias na formação dos sintomas, pelo fato de não serem justamente realidades”. [2]

Freud conclui que essas formações psíquicas recalcadas são o funcionamento psíquico ordinário e é a esse respeito que ele propõe uma continuidade. “Os neuróticos dão as costas à realidade por considerá-la no todo ou em parte insuportável. O tipo mais extremo desse afastamento da realidade aparece em alguns casos de psicose alucinatória, […] Mas, na verdade, todo neurótico faz o mesmo” [3].

Lacan, por outro lado, localiza nestes fenômenos psíquicos um real – aquele que contribui à formação de sintomas propriamente humanos.

Assim, no sentido freudiano, é da natureza do psiquismo humano dar as costas a uma realidade insuportável e, no sentido lacaniano, de se defender de um real. Há continuidade de “natureza”[4]. Todo mundo delira. Aí está uma das versões da despatologização própria à psicanálise. Lacan homenageia esta orientação freudiana ao final do seu ensino.

Se há continuidade de natureza, trata-se ainda de buscar e de afinar constantemente o que funda as distinções de “qualidade”[5] entre as diferentes formas de “negar a realidade”: recalque e retorno do recalcado; negação, fetiche e “deslocamento de valor”[6]; Verwerfung e retorno no real. Nesta vertente, o psicanalista é conduzido, de maneira necessária, a “salvar a clinica”[7].

Esta dimensão de defesa em relação a um real insuportável torna necessário situar o campo “alucinatório” que constitui o desejo humano como tal. O desejo busca incansavelmente recuperar uma satisfação pulsional outra e suplementar, que se apoia nas primeiras satisfações das necessidades, sem se reduzir a elas – inclusive, esta satisfação não é redutível. A este respeito, o pouco de realidade do devaneio diurno na qual o ser falante se movimenta, pode-se dizer de maneira continua, está sobretudo à serviço de um mais-de-gozar imortal o qual nenhuma prova da realidade é capaz de por fim, que é impossível a negativar e do qual, todo o aparelho psíquico se faz servo. É sob a ótica deste incansável de um gozo outro, que não cessa de retornar, que se encontra também o insuportável de uma falta, de um furo: o da castração, da falta no Outro e do furo na ordem simbólica.

Continuidade de natureza, novamente. E aqui também, convém situar de que modo o gozo retorna. Se a natureza do ser falante é de sonhar, de delirar e de alucinar, enfim de gozar, a qualidade reside nas diversas formas pelas quais este retorno se produz. A Ich Spaltung é para todos[8];  o que difere, é a modalidade de se dividir.

Freud convida o psicanalista a não recuar frente às formações do inconsciente, posto que elas colocam em jogo “toda a metapsicologia e toda clínica”[9]. Como fazemos hoje para não recuar? É a questão que colocamos a prova nas simultâneas clínicas desde XIV Congresso da AMP.

“Temos a obrigação de usar a moeda vigente no país que investigamos”[10]. É sem duvidas o que permite a Jacques-Alain Miller, à partir do ensino de Jacques Lacan, dizer que “analisar o falasser (…) é dirigir um delírio” [11]. Isso faz certamente eco ao dizer de Lacan segundo o qual uma cura analítica é o mesmo que “induzir no sujeito uma paranoia dirigida”[12], pois ela convoca, pela interpretação e a natureza da transferência, um chamado… interpretativo… ao sentido. Mas uma cura analítica não se reduz a um chamado ao sentido. Trata-se de visar, na orientação da cura do falasser, a “encurralar um real”, um “real que não tem sentido”, que “não pode ser outro que o que ele é” e a partir do qual pode-se, no melhor dos casos, como resultado de uma análise, esperar “fazer-se tolo” [13].

As simultâneas clínicas do XIV congresso da AMP aprofundarão esta via. Contamos com as contribuições para colocar em evidência estas “formações do inconsciente” no sentido extensivo, as formas que elas incarnam hoje, na era da despatologizaçao ideológica e jurídica, e a direção da cura que elas convocam.

Estas formações do inconsciente são singulares, pois só valem para um: o sujeito, no espaço da sua cura. Trata-se de extrair e de produzir a fórmula despatologizante própria a uma psicanálise. Seja em início de cura, numa cura que se prolonga ou de um final de análise. Trata-se de partir da particularidade da estrutura em direção à singularidade do caso, de apreender como isso se constrói para cada um. E isto, com o objetivo de eventualmente extrair um ensino daquilo que não se ensina: a prática da psicanálise.

Tradução: Isadora Escossia

Revisão: Paula Galhardo


[1] Freud S., A interpretação dos sonhos (1900). Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2018, p. 10.

[2] Freud S., “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico (1911)”, Obras Completas, Volume 10. São Paulo : Companhia das Letras, 2010, p. 87.

[3] Ibid., p. 82.

[4] Utilizamos a oposição entre “natureza” et “qualidade” do texto de orientação ao congresso. Miller J.-A., « Todo mundo é louco – AMP 2024 », disponível em: https://congresamp2024.world/

[5] Ibid.

[6] Freud S., “A cisão do eu no processo de defesa” (1938), Obras Completas, Volume 19. São Paulo: Cia das Letras, 2018, pp. 354-350.

[7] Miller J.-A., “Todo mundo é louco – AMP 2024”, op. cit.

[8] Freud S., “A cisão do eu no processo de defesa (1938)”, op. cit.

[9] Miller J.-A., “Todo mundo é louco – AMP 2024”, op. cit.

[10] Freud S., “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico (1911)”, Obras Completas, op. cit., p.87

[11] Miller J.-A., “O inconsciente e o corpo falante”, Conferência pronunciada por Jacques-Alain Miller por ocasião do encerramento do IX Congresso da Associação Mundial de Psicanálise (AMP), em 17 de abril de 2014, disponível em: https://www.wapol.org/

[12] Lacan J., “A agressividade na psicanálise” (1948), Escritos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 112

[13] Miller J.-A., «O inconsciente e o corpo falante », op. cit.